sábado, 21 de janeiro de 2017

crítica #poéticasderesistência

por Fernanda Oliveira

Com a indagação do grupo que parte da necessidade de se criar estratégias de resistência diante dos massacres sofridos pelos corpos, perante um contexto sociopolítico, as integrantes se dedicaram durante treze meses na busca das poéticas que suscitavam a partir da pesquisa corporal, para a construção de um vocabulário de dança que fosse composto de elementos fortes para fazer “tomar corpo” as inquietações.
O espetáculo é estruturado a partir de embates corpo a corpo, que vão se delineando enquanto coreografia estruturada, apoiada em técnicas de dança. No entanto, a dramaturgia e originalidade da criação toma força ao mostrarem suas marcas e o encadeamento de movimentos que só poderia surgir a partir de uma busca baseada na improvisação que criava tensionamentos e situações de combate entre as duas intérpretes.
Essas tensões se constituíam numa relação direta com as qualidades de movimento que realizavam individualmente, uma em relação a outra, no modo de configurar o espaço à medida em que se moviam trazendo a sensação de que o espaço entre elas não era “vazio” e sim repleto de “tensões” graças as escolhas da coreografia e dramaturgia em cena.
A partir destas tensões produzidas no trabalho corporal, ao longo da composição, foi possível a apresentação de um ambiente de criação que remonta condições hostis de sobrevivência, mesmo que poeticamente, mas que deixa claro a viva conexão com o ambiente de crise política e sistêmica no mundo. Os modos de perceber que estas artistas trazem à cena, expondo seus incômodos, e possíveis elaborações de resistência enquanto trabalho artístico somam-se as inúmeras vozes que têm ecoado dos palcos acerca destas inquietações.
As intérpretes, na atmosfera desse ambiente, propõem seus desenhos de confrontos, que em alguns momentos remetem à disputa de território, outrora gladiadoras, ou até mesmo alguns gestos que lembram signos gestuais do comportamento social de primatas quando se encontram em situação de ameaça. As junções destes gestos simbólicos diluídos nos movimentos de dança apresentam uma complexidade na elaboração das dramaturgias do corpo, conseguindo instituir uma noção de tempo-espaço não cotidiana para o espectador.
Outro recurso utilizado é um momento em que a figura das intérpretes que foram construídas pelas qualidades de movimento apresentadas, começam a emitir falas e promovem uma quebra na construção dum universo imagético que estava pautado no movimento. O texto que usam compõem cenas com discursos que dão a ver relações de poder entre as intérpretes e as localizam num espaço social, situações que podem ser cotidianas e ao mesmo tempo repletas de abusos em alguns lugares, como por exemplo, a filmagem de uma propaganda que explora o trabalho de uma atriz sem lhe dar voz.
Com a quebra de um universo que tinha como maior narrativa o movimento dando lugar às narrativas baseadas na fala se perde um pouco a multiplicidade de contextos aos quais àquelas qualidades de corpo poderiam atender, onde levavam a refletir sobre diferentes ambientes. Diante das qualidades de corpo o expectador produzia sentidos a partir de seu repertório, quando há a quebra, o público passa a ser convidado à reflexão de um ambiente específico que configura outros modos de se relacionar com este material artístico que situa a visão das criadoras ao apresentarem seu objeto de observação e remonta-lo em cena.
De todo modo, fruir um espetáculo que apresenta um forte material de pesquisa física, que reúne tantos elementos do corpo em criação, é de uma grande riqueza para observar e conseguir situar e desenvolver inúmeras discussões.

Texto escrito para a disciplina “Teoria da Dança” - Comunicação das Artes do Corpo-PUC
Prof.ª Helena Katz

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