por Fernanda
Oliveira
Com a indagação do grupo
que parte da necessidade de se criar estratégias de resistência diante dos
massacres sofridos pelos corpos, perante um contexto sociopolítico, as integrantes
se dedicaram durante treze meses na busca das poéticas que suscitavam a partir da
pesquisa corporal, para a construção de um vocabulário de dança que fosse
composto de elementos fortes para fazer “tomar corpo” as inquietações.
O espetáculo é estruturado
a partir de embates corpo a corpo, que vão se delineando enquanto coreografia
estruturada, apoiada em técnicas de dança. No entanto, a dramaturgia e originalidade
da criação toma força ao mostrarem suas marcas e o encadeamento de movimentos que
só poderia surgir a partir de uma busca baseada na improvisação que criava tensionamentos
e situações de combate entre as duas intérpretes.
Essas tensões se
constituíam numa relação direta com as qualidades de movimento que realizavam
individualmente, uma em relação a outra, no modo de configurar o espaço à medida
em que se moviam trazendo a sensação de que o espaço entre elas não era “vazio”
e sim repleto de “tensões” graças as escolhas da coreografia e dramaturgia em
cena.
A partir destas tensões produzidas
no trabalho corporal, ao longo da composição, foi possível a apresentação de um
ambiente de criação que remonta condições hostis de sobrevivência, mesmo que
poeticamente, mas que deixa claro a viva conexão com o ambiente de crise
política e sistêmica no mundo. Os modos de perceber que estas artistas trazem à
cena, expondo seus incômodos, e possíveis elaborações de resistência enquanto
trabalho artístico somam-se as inúmeras vozes que têm ecoado dos palcos acerca
destas inquietações.
As intérpretes, na
atmosfera desse ambiente, propõem seus desenhos de confrontos, que em alguns
momentos remetem à disputa de território, outrora gladiadoras, ou até mesmo alguns
gestos que lembram signos gestuais do comportamento social de primatas quando
se encontram em situação de ameaça. As junções destes gestos simbólicos
diluídos nos movimentos de dança apresentam uma complexidade na elaboração das
dramaturgias do corpo, conseguindo instituir uma noção de tempo-espaço não
cotidiana para o espectador.
Outro recurso utilizado é
um momento em que a figura das intérpretes que foram construídas pelas
qualidades de movimento apresentadas, começam a emitir falas e promovem uma
quebra na construção dum universo imagético que estava pautado no movimento. O
texto que usam compõem cenas com discursos que dão a ver relações de poder entre
as intérpretes e as localizam num espaço social, situações que podem ser
cotidianas e ao mesmo tempo repletas de abusos em alguns lugares, como por
exemplo, a filmagem de uma propaganda que explora o trabalho de uma atriz sem
lhe dar voz.
Com a quebra de um
universo que tinha como maior narrativa o movimento dando lugar às narrativas
baseadas na fala se perde um pouco a multiplicidade de contextos aos quais àquelas
qualidades de corpo poderiam atender, onde levavam a refletir sobre diferentes ambientes.
Diante das qualidades de corpo o expectador produzia sentidos a partir de seu repertório,
quando há a quebra, o público passa a ser convidado à reflexão de um ambiente específico
que configura outros modos de se relacionar com este material artístico que
situa a visão das criadoras ao apresentarem seu objeto de observação e
remonta-lo em cena.
De todo modo, fruir um
espetáculo que apresenta um forte material de pesquisa física, que reúne tantos
elementos do corpo em criação, é de uma grande riqueza para observar e conseguir
situar e desenvolver inúmeras discussões.
Texto escrito
para a disciplina “Teoria da Dança” - Comunicação das Artes do Corpo-PUC
Prof.ª Helena
Katz
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